A princípio, sobre a relação de locação de imóveis não incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois além de ter lei específica nº 8.245/90, a relação de locação não é considerada uma relação de consumo, por faltar as características inerentes da relação de consumo.
Pelo contrato de locação, o locador se obriga a ceder ao locatário, por tempo determinado ou indeterminado, o uso e fruição de coisa não fungível, mediante certa retribuição, o pagamento do aluguel. Ao final da locação o locatário tem o dever de restituir a coisa para o locador. Desta forma, o que é transmitido na relação de locação e o direito pessoal de utilização e fruição da coisa, de acordo com o convencionado no contrato, e não a coisa material. Vista a relação locatícia, por esse ângulo, o locador não é fornecedor e inexiste produto ou serviço.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que não se aplicam aos contratos de locação as normas do Código de Defesa do Consumidor, pois tais contratos não possuem os traços característicos da relação de consumo, previstos nos artigos 2º e 3° do CDC, e além disso, já são regulados por lei própria, a Lei 8.245/1991.
Se na hipótese do contrato de locação, apesar de ter lei própria, apresentasse característica de uma relação de consumo, e a partir dessa constatação teria a incidência das regras consumeristas, neste sentido, o Código de defesa do Consumidor seria a norma de ordem pública e de interesse social que poderia ser aplicada às relações particulares, ainda que essas relações derivem de negócios jurídicos com leis específicas. Assim, a lei de locações e o Código de Defesa do Consumidor coexistindo normativamente poderiam ser aplicados nos contratos de locação. A lei de locações seria aplicada, por óbvio, ao contrato de locação por dispor de normas que regem a relação locatícia; por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor poderia ser aplicado nas relações de consumo oriundas do contrato de locação. Isto poderia fazer sentido se um contrato de locação for administrado por uma sociedade empresária do ramo imobiliário, que corriqueiramente, utiliza contrato padrão para realização da locação, poderia haver a incidência das regras do Código de Defesa do Consumidor.
Esta interpretação demonstra tendência de alargamento do entendimento de que o CDC poderia ser aplicado às relações locatícias, desde que presentes algumas circunstâncias especiais. Primeiramente, vale destaque o condicionamento da aplicação do CDC ao locador que faz dessa atividade sua profissão; ou seja, aquele indivíduo que é proprietário de vários imóveis e os disponibiliza à locação com profissionalismo, fazendo dessa atividade para auferir ganhos financeiros.
O segundo ponto diz respeito ao entendimento da incidência do CDC às relações estabelecidas com imobiliárias ou administradoras de imóveis que intermediaram o contrato de locação. Nesse caso, haveria relação de consumo, tanto do locador que contratou com a imobiliária ou administradora, quanto com o locatário que se utilizou da imobiliária ou administradora para locar o bem.
Neste caso, não há que se defender a incidência da Lei nº 8.079/90 às relações locatícias, mas sim às relações firmadas entre o locador e a administradora de imóveis ou entre esta e o locatário, como única forma viável de proteger aqueles que são os vulneráveis da relação. Desta forma, poderia justificar a incidência do CDC às imobiliárias e administradoras de imóveis, considerando as relações de locação sendo intermediadas por um profissional-imobiliária ou administradora de imóveis tem-se neste polo da relação contratual a expertise, o conhecimento e a direção da relação contratual que se exige para a aplicação do Código do Consumidor.
Em sentido diverso, seguindo a corrente amplamente majoritária, tem-se como princípio de Direito que a lei especial se aplica na matéria que ela regula, ficando a lei geral com aplicação subsidiária, no que forem compatíveis. Procura-se estabelecer a convivência harmônica entre as normas gerais e especiais que versem sobre o mesmo assunto. Tal regra consiste no princípio da conciliação ou das esferas autônomas, conforme previsto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Deste modo, a Lei do Inquilinato é a lei de natureza especial, que versa sobre as locações de imóveis urbanos, havendo aplicação das normas gerais de locação do Código Civil, em caráter subsidiário. Neste ponto, não restam dúvidas.
Contudo, a questão que ainda encontra contenda no meio jurídico é sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. O ponto de convergência de ambas as leis é o de que vieram a lume para corrigir distorções de relações negociais, protegendo as partes vulneráveis na relação contratual.
No entanto, ao analisar a especificidade das leis, verifica-se que o Código de Defesa do Consumidor traz normas gerais, enquanto a Lei de Locações é especial, razão pela qual esta deve prevalecer.
Prosseguindo, a Lei de Locação e o Código do Consumidor possuem algumas normas incompatíveis entre si e, nestes casos, apenas uma delas poderia ter incidência sobre a locação, com base na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
A relação de consumo é definida pelo Código de Defesa do Consumidor, que traz no artigo 3º o conceito de consumidor e de fornecedor. Da leitura do referido artigo, pode-se concluir que o locador não se enquadra no conceito de fornecedor e, portanto, não haveria uma relação de consumo na locação. Com efeito, o locador não realiza quaisquer das atividades descritas no referido dispositivo e que poderiam caracterizá-lo como fornecedor.
Deste modo, não há relação de consumo na locação, que é celebrada entre contratantes em posição de equilíbrio, com eventuais distorções corrigidas pela aplicação da própria Lei do Inquilinato, que regula o tema, razão pela qual não há que se equiparar locador e locatário ao fornecedor e consumidor.
Para aplicação do CDC, seria necessário, além da configuração da relação de consumo, a verificação da hipossuficiência do consumidor, o que não é encontrada nos contratos de locação. Em geral, na locação existe um equilíbrio contratual, onde as partes podem livremente discutir e dispor os termos que pretendem pactuar, mais ou menos afetada pela relação de oferta e demanda do mercado.
Na realidade do mercado, não há uma inferioridade notável, por parte do locatário, que enseje a intervenção da legislação consumerista. Neste sentido, nem mesmo quando há a intermediação de uma imobiliária, por exemplo, fica evidenciada essa hipossuficiência, não havendo desequilíbrios relevantes nas esferas jurídicas, econômica, técnica e informacional.
A par dessa discussão, encontra-se disposição expressa da Lei nº. 8.245/91, que em seu artigo 79, determina a aplicação supletiva do Código Civil e do Código de Processo Civil nos casos omissos. A lei do inquilinato é temporalmente posterior e não faz nenhuma menção à aplicação do CDC nas relações de locação.
Os Tribunais também seguem o raciocínio da inaplicabilidade do CDC às relações locatícias, considerando que não existe relação de consumo entre locador e locatário, pois não podem ser comparados a consumidor e fornecedor.
Independente dos debates, o tema já foi superado pelo Superior Tribunal de Justiça, que firmou jurisprudência no sentido de negar a aplicação das normas do CDC aos contratos de locação.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que não se aplicam aos contratos de locação as normas do Código de Defesa do Consumidor, pois tais contratos não possuem os traços característicos da relação de consumo, previstos nos artigos 2º e 3° do CDC, e além disso, já são regulados por lei própria, a Lei 8.245/1991.
Após a análise de uma grande parte de julgados, pode-se concluir que o STJ não aplica as normas consumeristas aos contratos de locação por serem estes regidos por lei especial (lei 8.245/91) e as partes não se amoldam aos conceitos de consumidor e de fornecedor (artigos 2º e 3º do CDC).
Em caso de dúvidas e detalhes, consulte um profissional de confiança.
Dr. Henrique Sampaio
Sócio da SVB Advogados
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